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Ministro quer avanço na política de cotas
Leandro Mazzini

Entrevista | Edson Santos

Viagens pelo Brasil servem para tentar convencer reitores de universidades públicas a adotarem os sistemas de inclusão

BRASÍLIA

O ministro da Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos, quer acelerar a implantação do sistema de cotas sociais nas universidades públicas e encomendou à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) uma radiografia para saber onde estão os avanços e problemas da questão. Viaja pelo país para convencer reitores a implantar o sistema, enquanto um projeto de lei que tenta padronizar o programa está na fila da Câmara. O auge do debate acontece em novembro, quando ele quer reunir especialistas internacionais e mostrar suas experiências.

Edson Santos parece ser ainda o carioca que não se despiu do cargo de vereador e, diante de desafios nacionais, vê no papel de ministro a oportunidade de se aproximar do povo. "O artista vai onde o povo está", brinca, com a seriedade de um deputado federal licenciado, que luta para não decepcionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ministro também trabalha no Congresso para vencer resistências e levar à votação o Estatuto da Igualdade Racial, engavetado há anos, e resolver a situação das comunidades quilombolas que esperam a titularização das terras – hoje são 1.228, sendo mais de 90 com títulos.

O que avançou na questão das cotas sociais nas universidades?

Estamos fazendo na Universidade Estadual do Rio um estudo com o impacto da adoção de cotas nas universidades.

Qual vai ser o foco desse estudo?

Vamos trabalhar junto aos estudantes e à comunidade universitária. A idéia é chegar até os familiares dos cotistas para saber o que mudou na vida deles, o que é preciso para a sua manutenção na universidade. Não sabemos quem são os jovens pobres. Inclusive, há um questionamento no STF referente às bolsas dos alunos do Prouni. Queremos saber o impacto disso junto à população.

Quantas instituições hoje têm sistema de cotas?

São quase 60 universidades.

Há uma certa polêmica sobre os critérios para escolha. Às vezes, um branco entra como negro. Como isso pode ser aprimorado?

É exceção à regra. Foi o caso dos gêmeos aqui de Brasília (caso polêmico com dois negros; um entrou e outro não). Atribuem como exemplo. Não é. São fatos isolados. Está dando certo.

E quais argumentos o senhor tem levado aos reitores para a implantação do sistema de cotas?

A universidade pública não pode ser um espaço das elites. A universidade é para todos. E o que acontece no Brasil? O estudante de escola particular, quando chega no nível universitário, vai para a universidade pública. Quem vem da escola pública, quando chega no nível universitário, vai para a particular. Então, o que há é uma inversão.

É fato histórico, pelos levantamentos do IBGE e outros grandes institutos, que os negros são os mais prejudicados. A maioria está na classe baixa. Então surge o sistema de cotas raciais. Mas como ficam os brancos pobres?

O problema é social. A cota é social.

Há um debate truncado, então?

É isso. Desvirtuam e desqualificam o debate. A cota é social. É esse o projeto que o governo tem na Câmara (PL 73/1999). É a cota de 50%. Dentro desse índice, em função do peso da população negra em cada região, há uma cota racial. Você tem, por exemplo, 40% da população negra no Rio de Janeiro, ou num Estado qualquer. Então, você vai ter 50% de cotas sociais na universidade pública. Dentro desses 50%, 40% serão para negros, ou índice maior. Depende da realidade de cada Estado. Lá no Rio Grande do Sul, por exemplo, (com população predominantemente branca), haverá reservas de 10%, ou 5% para os negros.

Mas, hoje, como é feito?

Hoje depende de cada universidade.

Há algumas que já seguem o critério desse projeto que está no Congresso?

A Uerj tem cota, mas é um negócio meio complicado. Social e racial também.

Há o interesse do ministério em avançar no sistema de cotas, ao passo que nas universidades, cada uma tem seus critérios, o que cria um conflito. Não tem como padronizar isso?

Não tem. Deixamos com a comunidade univesitária. Eu tive um debate com a Universidade de Roraima, que não tem cotas. Conversamos e eles vão fazer esse debate, vão pegar experiências de outras universidades para ver o modelo que melhor se adequa à realidade de Roraima.

Qual a próxima universidade que deve aderir ao sistema para o vestibular?

Estamos conversando. Na UFRJ, vamos marcar. A primeira que nós começamos foi a Rural do Rio. E para o Norte e Nordeste, sempre que houver oportunidade, nós vamos tratar.

E além das cotas, como fica a vida dos alunos cotistas pós-universidade num mercado ainda preconceituoso?

Tivemos uma reunião com empresários, com a participação do presidente Lula, sobre inclusão de negros no mercado de trabalho. Muitas vezes chega um negro numa empresa e o cara é eliminado por ser negro. Não é uma questão só de recursos humanos. É uma questão da sociedade. Vamos trabalhar essas resistências.

Há dois desafios junto ao Congresso: aprovar esse PL das cotas e o Estatuto da Igualdade Racial. Acha que passam os dois este ano?

Espero haver um consenso entre os deputados para depois ir à votação.

Como tem sido o trabalho para conhecer a realidade dos quilombolas?

Temos viajado o país para conhecer essa realidade muito diversificada das comunidades e também dialogando com diversos segmentos da sociedade sobre políticas de igualdade racial.

Há receptividade?

Há uma receptividade grande. Na questão das comunidades quilombolas, queremos dar celeridade ao processo de titulação. Isso é uma ação que não depende apenas do ministério, mas de órgãos do governo, como Incra e Casa Civil.

São quantas?

Mais ou menos 1.200. O que desejamos é aumentar esse número, principalmente em regiões onde não há o conflito de propriedade entre quilombolas e outros segmentos.

Quais são esses conflitos?

Principalmente no setor ruralista, com fazendeiros que confrontam com o interesse das comunidades tradicionais.

O que muda, na prática, na vida dos cidadãos quilombolas, com a titularidade?

A titularidade é a propriedade da terra. Como é uma situação excepcional, que são propriedades coletivas, existe também, por parte do Estado, toda uma ação no sentido de assistir essas comunidades com programas de geração de renda, de saneamento básico, entre outros.

Há muita discussão hoje na questão do meio ambiente. Há comunidades dentro de florestas públicas e áreas ambientais?

Não. Há conflitos de comunidades quilombolas com projetos como no Pará, onde estão sendo construídas hidrelétricas.

Elas vão ter de ser deslocadas?

Estamos dialogando. Os maiores problemas são Alcântara e Marambaia, por envolver terras do setor privado e da Marinha. Existem problemas com o setor de celulose, madeireiras.

Conflitos com madeireiros?

Resistem à relação com esses setores, que inclusive querem empregá-los.

E a questão do Estatuto da Igualdade Racial. Como está o diálogo com a Câmara?

A conversa com a comissão especial está muito boa. O andamento dessa questão depende do Congresso, da constituição de maioria para a votação.

A comissão avalia uma proposta polêmica quanto à construção em cada cidade de espaço para oferendas de rituais religiosos da Umbanda e Candomblé.

Tem igreja em tudo quanto é cidade. Você não pode ter um espaço para as comunidades negras? Acho que isso aí é possível de ser entendido, acredito que não haverá problema nesta proposta.


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