O Globo  -  Segundo Caderno  -  pg. 05  -   27/6
As unhas vermelhas mais chamativas do Rio
Suzana Velasco

Como se fossem anúncios de esmalte, cartazes de Alexandre Vogler causam polêmica com mãos sobre uma vagina

Da sacada de um sobrado em Santa Teresa, a moradora vê uma movimentação e grita:

- Foram vocês que colaram este cartaz?

- Sim, fui eu – responde Alexandre Vogler.

- Por que você colou essa porcaria em cima do cartaz do índio? Isso é horrível!

Vogler a ignora, continua posando para a foto em frente ao cartaz, mas ela prossegue:

- Vocês fazem qualquer coisa para vender esmalte!

- E essa reflexão que eu quero provocar. Isso também é um trabalho de arte.

- Você pensa que isso é arte? Você precisa estudar arte. Isso é abominável!

Vogler quer discutir imagem da mulher na publicidade

Na sacada, a senhora que se revolta fica de cara para as compridas unhas vermelhas de uma mulher casada, que cobrem parte do órgão sexual feminino. No canto, um vidro de esmalte sem marca e a frase "Base para unhas fracas". O cartaz é um dos cem colados pela cidade toda pelo artista Alexandre Vogler, durante as últimas três semanas. E a reação gritada na sexta-feira passada - e aplaudida por um pedestre que observava a cena - é o que deve ter passado na cabeça de muitas pessoas que vêm rasgando os cartazes - ou, pelo menos, a parte deles que as ofende.

A reação não é novidade para Vogler, que quis provocar uma reflexão sobre a imagem da mulher na publicidade: grandes outdoors com anúncios de calcinhas fio-dental devidamente vestidas por mulheres atraentes -, totens que vendem a última novidade das revistas masculinas, a cerveja bebida pela gostosa da praia.

- O Rio virou um grande corredor de publicidade, que é aceita por um público amortizado, que não reflete mais. Tento pôr em questão a ética da veiculação de publicidade em mídia externa, para ver se as pessoas conseguem fazer uma aproximação com outras formas de fetichização da mulher - diz Vogler, professor do Instituto de Artes da Uerj.

Vogler manipulou digitalmente a imagem das mãos de uma mulher com aliança de casamento, inserindo partes de uma vagina, que muitas vezes passam despercebidas por quem olha a imagem de relance. Mas muitas das fotos foram rasgadas por pedestres, e, segundo Vogler, coladores que nada tinham a ver com a história sofreram ameaças da polícia, que arrancou alguns dos cartazes numa madrugada.

- Como o trabalho está na rua, não tenho como saber de todas as reações, mas vejo pelos rasgos. Não acho isso ruim, porque reflete o que estou questionando. Se a mulher é usada por todas as campanhas, eu ponho o conteúdo sexista dessas mensagens no grau mais avançado. Poderia usar uma imagem mais tolerável, mas seria chover no molhado – diz ele, que foi recomendado por uma advogada a usar a liberdade de expressão prevista na Constituição como argumento caso fosse questionado na rua.

Reações contra bundas com celulite e desenho de tridente
Desde 2000, Vogler faz intervenções pela cidade. Ele já percorrera o tema da imagem feminina em 2004, quando espaIhou cartazes com oito bundas de mulheres. Todas cheias de celulite, acompanhadas de descrições sobre a gravidade do problema. A ação também causou estranhamento e reações. Mas nada foi pior do que a revolta de moradores de Nova Iguaçu com o tridente de 150 metros que o artista desenhou num morro da cidade, provocando protestos de evangélicos.

No caso de "Base para unhas fracas", a idéia foi posta em prática primeiro em Curitiba, no mês passado, num projeto para o quaI foi chamado na cidade. Em Santa Teresa, onde mora, Vogler colou diversos cartazes. O que causou a reação de uma moradora foi colado sobre o tal "cartaz do índio", criado pelo amigo Guga Ferraz, outro adepto das intervenções urbanas.

- Eu e Guga queremos que esta parede sempre tenha trabaIhos de rua, mas não grafite, que já se tornou mais um elemento de decoração. Queremos intervenções que de fato interfiram na rotina das pessoas.


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