O Globo  -  O País  -  pg.   -   14/5
Supremo recebe manifesto a favor das cotas
Carolina Brígido

Grupo entrega ao presidente da Corte documento endossado por acadêmicos, artistas e ativistas de direitos humanos

BRASÍLIA. Um grupo de defensores da política de cotas raciais nas universidades entregou ontem ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, um manifesto em defesa da causa. O documento foi assinado por mais de mil pessoas, incluindo acadêmicos, estudantes, artistas e militantes dos direitos de minorias. Na lista, estão o cineasta Nelson Pereira dos Santos, a atriz Taís Araújo, o ator Lázaro Ramos, a cantora Margareth Menezes, o rapper MV Bill, o arquiteto Oscar Niemeyer e João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Segundo o texto, as cotas cumprem o papel de compensar a histórica exclusão dos negros das universidades. “Apenas nos últimos cinco anos houve um índice de ingresso de estudantes negros no ensino superior maior do que jamais foi alcançado em todo o século XX”, diz o documento. Há duas semanas, opositores da política de cotas também levaram um manifesto ao presidente do STF. Os dois grupos estão preocupados com o julgamento de duas ações sobre o tema. O plenário começou a analisar o assunto há um mês, mas interrompeu a sessão. O julgamento deverá ser retomado apenas no próximo semestre.

Manifesto diz que política de cotas é constitucional

Os defensores das cotas alegam que é preciso “trazer para o interior das universidades brasileiras aqueles grupos sociais historicamente excluídos”. Segundo o texto, hoje o país conta com mais de 20 mil cotistas negros cursando a graduação. Somam 69 as instituições de ensino superior público que adotam ações afirmativas. Os militantes argumentam que a política de cotas é constitucional, pois promove oportunidades iguais a brasileiros historicamente tratados de forma diferentes.

Apenas oito representantes do grupo foram recebidos no gabinete de Mendes, que dedicou 20 minutos aos manifestantes. O documento será enviado aos outros dez ministros do STF.

— Quem foi torturado pela ditadura ganha indenizações milionárias do governo. E o povo negro, que foi escravizado, não merece reparação? — disse o frei David Santos, um dos líderes do grupo.

— As cotas são uma ação afirmativa importante para assegurar a inclusão do negro à universidade. Hoje há uma barreira imposta pelo racismo — disse Ivana Leal, integrante do Movimento Negro Unificado, de Goiás.

Abayomi Mandela, estudante de engenharia florestal, sempre estudou em escolas públicas e entrou na Universidade de Brasília (UnB) pelo sistema de cotas raciais. Ontem, ele foi um dos recebidos por Gilmar.

— É bem mais difícil concorrer com alunos de escolas particulares. Nas particulares, o foco é fazer o aluno passar no vestibular. Nas públicas, o foco é em nada, as escolas estão abandonadas — disse.

Grupo pró-cotas diz que opositores são elitistas

Em ataque à manifestação do grupo contrário às cotas, intitulada “113 cidadãos anti-racistas contra as leis raciais”, os defensores da tese afirmaram que os críticos das cotas não contam com o apoio de estudantes ou de movimentos em defesa dos negros.

“A posição dos 113 é paralela à da elite conservadora que reage desesperadamente para manter o poder que acumulou no período da escravidão, do colonialismo e das repúblicas branqueadas ou excludentes construídas em um momento político ultrapassado e que agora são obrigadas a enfrentar as demandas de uma agenda política que exige justiça social, convivência multiétnica e multirracial, com divisão proporcional de poder e de riqueza”, diz o manifesto entregue ontem ao STF.

O grupo pró-cotas também critica o argumento de que é complicado classificar os brasileiros por raças, devido à miscigenação no país.

— O aspecto cultural e histórico de uma raça pode ser usado para fins de discriminação, como tem sido feito. Queremos que os ministros do Supremo, a partir desse documento, possam refletir sobre as políticas de inclusão — disse o advogado Renato Ferreira, pesquisador do laboratório de políticas públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

O mesmo grupo também foi recebido em audiência pelo ministro da Justiça, Tarso Genro. Ao fim do encontro, o ministro defendeu a política de cotas.

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Na Uerj, mais vagas que interessados

Em 2007, foram 673 candidatos autodeclarados negros para 1.048 vagas

Natalia Soares

Sete anos após sua implantação, o sistema de cotas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) está em fase de avaliação. Um estudo produzido pela universidade, em parceria com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o Ministério da Educação (MEC), deverá ser concluído até o fim do ano para aferir os resultados do sistema de cotas, implantado em 2001. O reitor Ricardo Vieiralves, favorável à reserva de vagas, disse que a avaliação contará com indicadores para que a sociedade discuta a respeito da ação afirmativa:

— Estamos fazendo uma profunda reavaliação do sistema. No ano passado, nós oferecemos mais vagas para o sistema de cotas do que o número de estudantes inscritos. Precisamos saber o que está acontecendo. A intenção é mostrar dados como o desempenho dos cotistas na universidade, problemas enfrentados durante sua formação, além da inclusão dos formados no mercado de trabalho. Será um estudo bem abrangente.

No vestibular do ano passado, a universidade ofereceu 1.048 vagas para quem se autodeclarou negro, sendo que apenas 673 estudantes com esse perfil se candidataram. Desses, 439 foram aprovados. O mesmo número de vagas foi oferecido para estudantes da rede pública, que recebeu 1.292 inscritos, com 787 classificados. Na seleção de 2006 (para ingresso em 2007), foram 1.031 vagas reservadas para autodeclarados negros, sendo 753 inscritos e somente 432 aprovados. A cota para estudantes da rede pública também reservou 1.031 vagas, tendo 1.581 inscritos e 830 aprovados.

Para Douglas Belchior, da coordenação nacional do Educafro — rede de pré-vestibulares voltado para negros e carentes —, a queda pela procura pelo sistema de cotas se deve à falta de divulgação das instituições e de uma campanha contrária às ações afirmativas.

Para o reitor Ricardo Vieiralves, o sistema de cotas é uma ação com tempo marcado.

— As cotas são um sistema para reparar a desigualdade social. Na medida em que ela só existe para reparar essa diferença, eu tenho a crença que ela cumprirá o seu papel pelo tempo necessário e depois será extinta — acredita.

Atualmente, a instituição reserva 20% de suas vagas para quem fez ensino fundamental em escolas públicas de qualquer estado do país e o ensino médio em colégios públicos do Estado do Rio. Outros 20% são destinadas aos candidatos que se autodeclararam negros. Nos dois casos, a renda per capita bruta, até o concurso do ano passado, deve ser de até R$630. Para portadores de deficiência ou integrantes de outras minorias étnicas são reservadas 5% das vagas.


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