O Dia  -  Opinião  -  pg. 06  -   25/4
Debate: Cota na universidade

Cristovam Buarque: Cota não é a solução

Ex-ministro da Educação e senador pelo PDT

Rio - Um dia, um jovem me perguntou se via relação entre raça e competência. Se o acesso à universidade deveria ser por vestibular, por competência, ou cotas, privilegiando negros. Respondi que não há correlação entre raça e competência, mas entre renda para pagar uma boa escola e competência, e entre renda e raça. A pobreza é principalmente composta por negros e há e desigualdade entre brancos e negros no acesso à universidade.

Para tentar corrigir essa desigualdade, justifica-se a cota para ingresso de negros na universidade, para mudar a cara de um país que tem a cor da África, mas uma elite da cor da Europa. Mas é preciso reconhecer que esse é mais um jeitinho, tão ao gosto do Brasil. E que beneficia só os jovens negros que conseguem terminar o Ensino Médio e, muito provavelmente, da classe média. É uma cota dentro da cota: beneficia alguns negros, depois de ter excluído dois terços de jovens pobres.

É um hábito brasileiro: garantir pequenos ganhos aos desfavorecidos, em vez de promover sua emancipação. Mais de um século após a abolição, o Brasil tenta corrigir injustiças sociais com cotas que não são solução. É um jeitinhos que traz avanço, mas é preciso entender que eles protelam a emancipação.

Por isso, é surpreendente que tantos se contentem com as cotas para negros, deixando de lado a emancipação da educação básica de qualidade para todos. Quando ela existir, as cotas não serão necessárias. Cotas são parte da luta, mas a verdadeira luta é torná-las desnecessárias. Isso exige transformar a educação básica em obrigação nacional, assegurando a todas as crianças a permanência na escola até o final do Ensino Médio, e a todas as escolas brasileiras um padrão mínimo de qualidade.


Andréa Soares: Primeiro passo

Mestre em Educação e professora da Uerj

Rio - A adoção de cotas para o acesso à universidade pública é polêmica. Com a decadência do ensino público, entrar para a faculdade implicava em, no mínimo, investir em bom curso preparatório. Aos que não tinham dinheiro, sobravam as vagas das faculdades particulares com mensalidades altas.

Assim, os que não tinham dinheiro para pagar seus estudos iam para o mercado de trabalho conscientes que a universidade não era para eles. O acesso ao ensino superior não fazia parte de sua realidade. Ao filho do operário cabia seguir os passos do pai ou exercer atividade que não exige nível superior. Sem escolha, sua cota de participação na sociedade já estava definida.

O sistema de cotas não é o ideal, mas é uma iniciativa. Pior é não fazer nada. Orgulho-me de lecionar em uma universidade que é pública e etnicamente colorida, com a cara do Brasil: repleta dos protobrasileiros de Darcy Ribeiro. Em sala, vejo o empenho dos cotistas, sua vontade de aprender e sua cobrança por ensino de qualidade. É esta exigência que espero que levem para sua vida profissional.

As cotas não vão garantir que o aluno consiga se inserir no mercado de trabalho e melhorar financeiramente. Mas, certamente, sua mentalidade será outra. Quem não tinha grandes esperanças de mudança vê sua auto-estima renovada ao receber seu diploma, passa a acreditar que é capaz de superar as dificuldades e se sente incluído socialmente.

Chegará o dia em que não precisaremos mais de cotas porque haverá ensino de qualidade graças a profissionais gabaritados e políticos compromissados com a sociedade. Quem sabe alguns deles serão ex-cotistas?


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