O Dia  -  Geral  -  pg. 03  -   10/4
Novas regras para entrada de cotistas
Daniela Dariano e Maria Luisa Barros

Projeto em estudo prevê criação de incentivos no início da vida profissional e extensão de bolsa

Rio - Cinco anos depois, o sistema de cotas nas universidades estaduais do Rio está de volta ao centro da polêmica. O prazo de validade da atual legislação, que reserva 45% das vagas na Uerj, Uezo e Uenf para cotistas, expira em 3 de setembro. O vestibular de 2009 já será feito sob as novas regras, que estão em discussão. O futuro projeto de lei está em elaboração e deverá ampliar benefícios.

Além de manter o percentual de reserva (20% das vagas para estudantes negros, 20% para alunos da rede pública fluminense e 5% para deficientes e indígenas), o texto em discussão prevê a extensão de bolsas-auxílio, inclusão de estudantes vindos da rede pública de qualquer estado do Brasil, mais investimento nas universidades e financiamento facilitado para formandos e recém-formados cotistas iniciarem as suas vidas profissionais.

TRANSPORTE

Para estudantes como Mariane Oliveira, 21 anos, aluna do 5º período de Direito da Uerj, o novo sistema de cotas deve incluir recursos para financiar o transporte dos cotistas. Moradora de Campo Grande, ela é obrigada a pegar quatro conduções para chegar ao campus da Uerj no Maracanã. Outra queixa dela é o acervo reduzido na biblioteca, prejudicando quem não tem dinheiro para comprar livros caros: “Normalmente tem dois ou três exemplares. Quem pega primeiro consegue estudar”.

A intenção da revisão da lei é corrigir erros e promover ainda mais a inclusão, afirma Frei David, defensor da causa e diretor da Rede de Pré-Vestibulares Educafro, que mantém 255 cursinhos comunitários no Rio e em São Paulo.

Entre as iniciativas para aumentar a inclusão está a extensão da bolsa para cotistas, que hoje só recebem a ajuda — R$ 193 mensais na Uerj e R$ 214 na Uenf — durante o primeiro ano de curso e passariam a ganhar o benefício até a formatura. A medida já é tema de um projeto de lei aprovado pela Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) quarta-feira da semana passada. O governador Sérgio Cabral tem 15 dias úteis para sancionar a lei. Caso contrário, a Alerj, onde o tema tem o apoio da maioria dos deputados, deverá promulgá-la.

Além disso, estão em estudo benefícios que ajudem os cotistas a iniciar a carreira como profissional. O procurador do estado Augusto Werneck, que participa da elaboração do novo projeto, cita como alternativas a prioridade em estágios no serviço público, postos de trabalho terceirizados no serviço público estadual e empréstimos do estado para que formandos e recém-formados montem seus consultórios, por exemplo.

No anteprojeto em elaboração também estão previstas medidas antifraude, para evitar e punir estudantes que se inscrevam para cotas quando não teriam esse direito. Uma das formas estudadas para coibir a falsa declaração é tornar presencial a inscrição de cotistas no vestibular. “Para evitar problemas, a autodeclaração pela Internet não valeria”, adiantou Werneck.

Universidades têm vagas excedentes

As universidades que adotam a política de reserva de vagas têm grandes desafios pela frente, como resolver a sobra de vagas nos cursos das três instituições. Para Alexandre Cardoso, secretário estadual de Ciência e Tecnologia, pasta à qual estão vinculadas as universidades estaduais, o Programa Universidade para Todos (Prouni) — que financia bolsas para estudantes carentes em universidades particulares — vem absorvendo grande parte dos alunos de baixa renda. Ele acredita que o percentual de reserva de vagas deva ser recalculado. “Eu defendo a política de cotas, mas sou a favor de sua reavaliação”, afirma.

Especialista em Direito e Relações Raciais, o pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Uerj, Renato Ferreira, acredita, no entanto, que as vagas não são preenchidas porque falta divulgação. Algumas das propostas para corrigir o erro seriam campanhas publicitárias e a instituição do Dia da Inclusão em todas as escolas estaduais de Ensino Médio, às vésperas da inscrição no vestibular.

Mais do que discutir percentual, Ferreira crê que é preciso garantir a permanência dos cotistas: “Falta o governo do estado investir. A universidade ficou esperando os recursos, estruturas para laboratório, bibliotecas. Estudantes cotistas precisam ainda mais de suporte. Como fazer Medicina ou Engenharia sem livros?”

Rendimento melhor que o de não-cotistas

Pesquisas comprovam que, ao contrário do que temiam os adversários do sistema de cotas, o nível acadêmico das universidades não caiu. Nos cinco anos da lei atual, o desempenho dos alunos cotistas superou o rendimento médio dos demais universitários. Estudo encomendado pela ONG Educafro, com base em dados da Uerj, revela que estudantes negros tiveram coeficiente de rendimento (CR) médio 6,41, superado apenas pelos cotistas vindos da rede pública (6,56). Os alunos que ingressaram pelo vestibular sem reserva de vaga obtiveram CR médio 6,37.

A estudante de Direito Allyne Andrade, 22, tem o Coeficiente de Rendimento acima da média. A cotista estudou o primeiro ano do curso sem livros. Mesmo assim, tem média 8,4 e vai se formar no fim deste ano.

O levantamento da Educafro constata que os estudantes cotistas entram nas universidades em desvantagem em relação aos colegas, porém, no decorrer do curso, eles se empenham mais e conseguem igualar e até superar os não-cotistas.

Outro dado apontado no estudo confirma a dedicação dos cotistas para conseguir o diploma. Entre os negros, o percentual de alunos que abandonam o curso é de 12,99%, enquanto entre os não-cotistas a taxa de evasão sobe para 16,97%. O índice é ainda menor (9,66%) entre os alunos oriundos de escolas da rede pública e os portadores de deficiência e indígenas (8,47%).

Os dados jogam por terra argumentos dos que sempre foram contrários ao sistema. Para eles, as cotas subvertem o princípio do mérito acadêmico, ao deixar de fora alunos com notas maiores no vestibular.

“Vestibular não mede a capacidade dos alunos. As cotas ampliaram essa discussão na sociedade. Nenhum estudo conseguiu provar até hoje que existe relação entre a nota no vestibular e o rendimento acadêmico”, rebate o pesquisador da Uerj Renato Ferreira.

GÊMEOS: TRATAMENTO DIFERENTE

O sistema de cotas para negros causou polêmica no ano passado, fornecendo argumento aos que são contra a reserva. Gêmeos idênticos, os irmãos Alan e Alex Teixeira da Cunha se candidataram a vagas para negros na Universidade de Brasília (UnB).

Filhos de pai negro e mãe branca, os dois foram fecundados no mesmo óvulo. Mas apenas um deles, Alan, foi reconhecido como negro. Pelo sistema de cotas da instituição, os candidatos eram identificados por meio de fotos para avaliar se estariam dentro do critério de raça.


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