Folha Dirigida  -  Educação  -  pg. 09  -   18/3
Presidente da Capes descarta cotas na pós

A adoção de políticas afirmativas nas universidades públicas brasileiras, como os sistemas de cotas, sempre foi objeto de muita discussão dentro e fora da comunidade acadêmica. Entidades que defendem esta política, contudo, vêm pressionando para que a ação afirmativa seja aplicada também em outros níveis de ensino, como na pós-graduação, por exemplo. Para muitos acadêmicos, aplicar as cotas na pós seria um erro.

O presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Almeida Guimarães, órgão responsável por regular os programas de pós no país, é contra a medida. Segundo ele, não  há sequer demanda para isso. "Nós damos uma quantidade determinada de bolsas aos cursos e são eles que repassam para os estudantes".

O acompanhamento das necessidades dos bolsistas da Capes é feito através de uma comissão representativa da entidade em cada uma das instituições conveniadas. "Temos fiscais em cada curso, é uma comissão formada por cerca de três professores e um aluno. Eles nos dizem o que os cursos estão precisando. Se eles achassem que é  preciso utilizar cotas nos cursos, nós saberíamos", concluiu Guimarães.

A política de cotas para programas de pós nas universidades públicas foi debatida durante uma audiência na Procuradoria-Geral do Estado realizada na última semana. Durante a audiência, foram apresentados resultados das ações afirmativas e os planos para os próximos anos. Na ocasião, o coordenador da ONG Educafro, frei Davi Raimundo dos Santos, defendeu a criação de cotas, não apenas na pós, como também no mercado de trabalho.

A pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da UFRJ, Ângela Üller, acha que não há necessidade desta mudança. "A graduação prepara para o mercado, já a pós é mais específica e os alunos chegam por mérito próprio. Nunca houve pressão para que implantássemos essa política de cotas nesses cursos e acho que não há sentido nisso".

Segundo frei Davi, os cotistas precisam de suporte para dar continuidade nas suas carreiras, sejam elas profissionais ou acadêmicas. Para a pró-reitora da UFRJ, o ensino no Brasil precisa ser remodelado desde a base. "O mais importante é o ensino básico. Na medida em que os alunos forem chegando na universidade em um nível mais igualitário, não haverá necessidade de se criar medidas desse tipo", avalia Üller.

Outras políticas de assistência estudantil são preferidas pela comunidade acadêmica e consideradas mais eficientes. O diretor da Escola Politécnica da UFRJ, Ericksson Almeida, analisa o problema da educação no Brasil como algo mais complexo do que parece.

"Já não gosto das cotas na graduação. Na pós-graduação, seria um absurdo. O problema maior é que as pessoas passam no vestibular e não conseguem se manter nos estudos. Absorver estudantes que não têm condições e oferecer a eles meios de sobrevivência dentro da universidade é muito mais eficiente".

Para os estudantes, a criação de cotas nos cursos de mestrado e doutorado seria uma medida paliativa e desnecessária. A doutoranda em genética da UFRJ, Bruna Palma Matta, 30 anos, diz que todos os estudantes graduados têm o mesmo nível de conhecimento. "Todos que passam pelo ensino da graduação têm condições iguais de disputar as vagas da pós-graduação". Investir na educação básica também é a sugestão da estudante. "É preciso melhorar a base da educação para que, quando os alunos cheguem ao vestibular, todos tenham condições iguais. Porém, para conseguir isso é preciso adotar medidas com resultados de longo prazo e isso não interessa aos políticos", analisa Matta.

A argentina Flávia Krsticevic, 34 anos, também doutoranda em genética, vê a proposta de mudança na lei de cotas como um despropósito. "A pós-graduação é uma meta pessoal. Quando um estudante opta por fazê-la é porque está preparado". A estudante está no Brasil há cinco anos e decidiu mudar de país porque aqui teria mais condições de continuar os estudos do que no seu país de origem. "Na Argentina, só dão bolsa de estudos até os 28 anos de idade e, enquanto a UFRJ tem 30 mil alunos na graduação e 15 mil na pós, lá são 300 mil graduandos para três mil pós-graduandos", compara Krsticevic.

Ao comparar todos os países da América Latina, a estudante fez sua opção por acreditar que aqui teria mais chances de conseguir bolsa de estudos. "O Brasil é o país que mais disponibiliza vagas e bolsas para os cursos de pós-graduação. Aqui é o melhor lugar para se estudar. O nível só pode ser comparado com o do México".

Contudo, ao mesmo tempo que elogia a qualidade do ensino, a estudante reclama do valor da bolsa e diz que não é suficiente para o sustento de muitos alunos. "Conheço estrangeiros que vieram para cá estudar, conseguiram bolsa, mas estão morando na favela porque o valor não dá para pagar aluguel em outro lugar", desabafa Flávia.


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