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Uma guerra de liminares envolve o debate sobre a política de cotas nas universidades
Demétrio Weber - O Globo

BRASÍLIA - O acirrado debate sobre cotas nas universidades federais foi parar na Justiça. Estudantes que perdem vagas, apesar de tirarem notas mais altas do que cotistas, entram com mandados de segurança para ter direito à matrícula. O assunto divide juízes, a exemplo do que ocorre entre políticos e acadêmicos. Na guerra de liminares, a tendência dos tribunais tem sido a de validar o sistema de cotas, respeitando a autonomia universitária. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, já se fala numa jurisprudência pró-cotas. Mas não faltam decisões que passam por cima da reserva de vagas e determinam a matrícula de quem concorreu pelo sistema universal.

Na última segunda-feira, quando começaram as aulas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 13 estudantes estavam lá por força de decisões judiciais que contrariaram o regime de cotas. Dezenas de outros candidatos tentaram o mesmo, mas não tiveram êxito.

Em janeiro, o tribunal restabeleceu o sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que fora suspenso por liminar da Justiça Federal de primeira instância. A UFSC reserva 20% das vagas para alunos de escolas públicas, e 10% para negros. Quem move a ação é o Ministério Público, convencido de que as cotas são inconstitucionais.

Ao acolher o recurso da universidade, o desembargador federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz citou um acórdão do tribunal que tem servido de base para liminares favoráveis às cotas: "O interesse particular não pode prevalecer sobre a política pública. (...) Não se poderia sacrificar a busca de um modelo de justiça social apenas para evitar prejuízo particular", escreveu o desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon.

Juiz diz que maioria dos catarinenses são brancos

O juiz convocado Marcelo de Nardi argumentou que apenas 11% da população catarinense é preta ou parda, segundo o último censo do IBGE. "Um sistema que, a título de promover ações afirmativas, impõe percentuais elevados de reserva de vagas, flagrantemente distanciados da finalidade a que se propõe, por certo não é razoável e acaba constituindo, em efeito inverso, fator de discriminação", escreveu Nardi.

O TRF- 4 também rejeitou um pedido de cinco alunos que queriam que as regras especiais das cotas já fossem usadas na primeira fase do vestibular da Universidade Federal de Santa Maria (RS). A universidade adota um mecanismo que só favorece negros que passam para a segunda etapa. Nesse caso, o TRF- 4 invocou o princípio da autonomia universitária para garantir o direito da instituição de restringir o beneficio.

Desembargadoras têm decisões divergentes no Rio Grande do Sul

Cada cabeça uma sentença. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, desembargadores têm acolhido e rejeitado recursos de estudantes contra as cotas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A instituição adotou a reserva de vagas pela primeira vez no vestibular de janeiro.

No mês seguinte, a desembargadora federal Maria Lúcia Luz Leiria acabou com a pretensão da candidata Lilian de Freitas Fernandes de cursar odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Já a desembargadora Marga Barth Tessler autorizou a matrícula da auxiliar de enfermagem Juliane Gering. As duas vestibulandas tiraram notas mais altas do que cotistas, mas não foram classificadas.

Lilian ficou em 75º lugar no vestibular, que oferecia 88 vagas - 60 pelo sistema universal e 28 para cotistas. A UFRGS reserva 30% das vagas para alunos da rede pública, sendo que metade delas deve ser preenchida por estudantes negros. Ela concorreu pelo sistema universal. A desembargadora Maria Lúcia decidiu que, para ser aprovada, a vestibulanda deveria ter tirado uma das 60 notas mais altas. Maria Lúcia rebateu o argumento de que as cotas ferem o princípio da igualdade. O raciocínio é simples: é preciso tratar de forma desigual aos desiguais, com "disciplinas jurídicas distintas ajustadas às desigualdades fácticas existentes".


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