Trajetória de cotistas nas universidades passa por dificuldades e de aprendizado

RIO - Ao longo dos seis períodos em que estuda na faculdade de psicologia, Ana Carolina de Sales Vieira, de 20 anos, já enfrentou dificuldades para comprar livros e até o desconforto de ter que esperar numa estação de trem, após as 23h, para voltar para casa, na Cidade Alta, em Cordovil, com segurança. Mas nenhuma foi tão marcante para ela quanto ter sua auto-estima posta em prova.
Logo no primeiro semestre do curso, a universitária, que ingressou na Uerj pela cota de estudantes de rede pública, foi reprovada numa disciplina. Motivo suficiente para acreditar na sentença de um professor do ensino fundamental: bons alunos de escola pública não se destacam fora dela.
Para mim, foi uma decepção. Fiquei mal, chorei e até me questionei sobre a minha capacidade. Só lembrava do dia em que o professor de química e física da 8 série reuniu a turma e os pais e disse: “Aluno que tira 10 na rede pública não consegue o mesmo fora daqui”. Eu só tirava nota 10 — lembra Ana Carolina.

Adaptação social
  Depois dessa “aula de desmotivação", Ana Carolina  passou em três concursos técnicos de ensino médio - Cefet, Escola Técnica Federal de  Química e Faetec - e não precisou de cursinho para fazer vestibular. Nem mesmo esse histórico impediu que ela ficasse insegura com a reprovação na faculdade.
- Só superei quando fui aprovada na matéria, no período seguihte, com nota 10 - diz a aluna, dona da nota mais alta entre os 30 cotistas que recebem bolsa mensal de R$ 350, como ajuda de custo de um projeto social da L'Oreal.
Para a psicoterapeuta Nara Matos, os alunos que ingressam em situações especiais na universidade vivem a experiência da adaptação social, ao se confrontarem com estudantes de outras origens.
- Eles entram na faculdade e não têm o mesmo nível financeiro de outros alunos. No início, há uma diferenciação, um jogo de força, mas é uma questão de convívio. Isso pode até trazer à tona questões de insegurança, como: "Será que eu posso?" Mas, se o jovem tem auto-estima, passa por este momento e vence _ explica a especialista, coordenadora do Centro de Orientação para Mercado, Profissão, Estágio e Tabalho da faculdade CCAA.
Para tentar diminuir uma possível defasagem de estudantes cotistas no primeiro ano de faculdade, a Uerj criou o Programa de Iniciação Acadêmica, o Pró-Iniciar. A bolsa de R$ 193 oferecida aos alunos nos dois primeiros semestres está vinculada à freqüência nas oficinas do projeto.
- Na parte instrumental, há cursos como física, português e matemática. Na cultural, os estudantes  participam de palestras e mostras de cinema - explica Vera Regina das Neves, uma das coordenadoras.

Com nota, sem estágio

A notícia de que também fora escolhido para receber a bolsa de R$ 350 de uma empresa de cosméticos para concluir os estudos - graças à sua média de 8,57 - não poderia ter chegado em melhor hora para Júlio César de Oliveira Faustino do Nascimento, de 20 anos. Ansioso por um estágio que não aparece, ele contava com o resultado de um, concurso da Transpetro para não depender tanto do dinheiro do pai, pedreiro, e da mãe, diarista afastada da função pormotivo de saúde.
_ Fiz a entrevista e estava esperando a resposta. Naquele dia, soube que tinha sido reprovado no teste psicológico e fiquei arrasado. Pouco depois fui informado sobre a bolsa, que só exige que eu mantenha a minha média – relebra Júlio César.
Assim como Ana Carolina, o estudante do 7° período de economia da Uerj não precisaria de cotas para ingressar no curso escolhido. Mas optou pela reserva para alunos da rede pública por considerar que não teria base para o vestibular, já que estudou a vida toda em escola pública e fez o curso de edificações da Faetec, no ensino médio.

Aprovado quatro vezes
No mesmo ano em que ingressou na Uerj, o estudante passou ainda nos vestibulares da Univesidade Federal Rural do Rio (UFRRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) para o mesmo curso. No ano seguinte, fez prova para a Universidade Federal do Rio (UFRJ) e também passou. Nenhuma das três oferece cota.
_ A única coisa que me deixa frustrado é não ter estágio. Tem sido um choque para minha auto-estima.