Extra - Geral - pg. 24 - 24/6 | |||
Ontem, cotistas. Hoje, em busca de emprego Eliane Maria |
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Depois de quatro anos da criação do sistema de cotas nas universidades, primeiros alunos beneficiados já estão formados e enfrentam um novo desafio, o de ingressar no mercado de trabalho
O EXTRA acompanhou durante quatro meses alunos que ingressaram pelo sistema de cotas na Universidade do Estado do Rio (Uerj), na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) e no Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (Uezo). E descobriu que, nas duas primeiras, pioneiras na implantação das políticas de ação afirmativa no estado, nenhum dos entrevistados formados conseguiu emprego formal na área escolhida.
Deisimara era um dos 14 cotistas entre os 30 alunos classificados para o 1º semestre de 2003 do curso de ciências da educação, na Uenf. Deles, apenas três estavam no grupo de 11, que se formou em março: ela, Antônio Lírio dos Santos, ex-militar que recebe pensão do Exército, e Tatiane da Silva Lopes. As duas têm sobrevivido com as mensalidades de R$30 e R$35 que cobram para dar aulas particulares. Representante de negros e alunos de escolas públicas – em 2003, em muitos casos, essas duas reservas se convergiam – Deisimara descobriu nas cotas não só a chance de ter um diploma, mas a própria identidade.
Uerj A universidade adotou o sistema de cotas em 2003, em cumprimento a duas leis estaduais que previam a reserva de 40% das vagas para negros e 50% para alunos de rede pública. No mesmo ano, a lei estadual 4.151 redefiniu os critérios para 45% de reservas — 20% para negros, 20% para estudantes da rede pública e 5% para indígenas, deficientes físicos e outras minorias étnicas (D/I). Os alunos têm direito à bolsa de R$193, por um ano. Uenf Segue o mesmo modelo da Uerj, com bolsa de R$214. Uezo Adotou o sistema em 2006 com 50% de vagas reservadas (5% a mais para D/I). Não oferece bolsa. Formado no prédio que construiu O primeiro sonho de menino de Antônio Lírio dos Santos, ser militar, o Exército sepultou com a sua expulsão, durante a ditadura, devido à recusa em executar um exercício de guerrilha contra o “inimigo”, em Macaé. O segundo, reaceso graças ao incentivo de um dos seis filhos, ele concretizou no último dia 6 de março, no Teatro Trianon, em Campos. Seu Antônio, de 59 anos, era um dos formandos do curso de ciências da educação da Uenf, instituição que ajudou a construir. Filho de uma dona-de-casa com um alambiqueiro, Seu Antônio perdeu o pai cedo e começou a trabalhar já aos 8 anos, descascando fruta numa fábrica de goiabadas e engarrafando aguardente, até atingir a idade de ir para as Forças Armadas, interrompendo os estudos. Voltar aos livros significou esforço físico — ele pedalava 12 quilômetros diários entre o Jardim Carioca e a Uenf, mesmo com chuva — e até a descoberta involuntária da vaidade: Ele até hoje segue a sugestão, e não se arrepende da experiência: Dificuldades são iguais para negros e brancos A dificuldade encontrada pelos primeiros cotistas que estão deixando as universidades não é fruto da política de cotas, e sim de uma nova demanda para o mercado de trabalho. Moema Aquino, consultora de recursos humanos da empresa Solução, explica que, anualmente, apenas cerca de 25% dos universitários formados em todo o estado — nas redes pública e privada — conseguem emprego formal em suas áreas. A consultora de recursos humanos dá uma dica aos futuros cotistas, para que eles não sejam pegos de surpresa como os estudantes de ciências da educação da Uenf, que descobriram ao longo do curso que não poderiam dar aulas após a formatura: Mudança gradual Especialista em direito e relações raciais, Renato Ferreira, do Laboratório de Políticas da Cor, da Uerj, prevê uma mudança gradual no mercado de trabalho com a formação de cotistas:
A paixão pela educação move Fábio Paz Rosa, de 23 anos, desde a infância. Sua brincadeira predileta — ser professor — virou realidade para ele muito antes da conclusão do curso de pedagogia da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF), da Uerj, em abril. Dois anos antes da formatura, Fábio criou seu próprio “estágio”: montou um curso preparatório para concursos de escolas técnicas federais numa paróquia de Anchieta, no subúrbio do Rio, onde também ajuda a coordenar um pré-vestibular. Exemplo para o irmão Além de pôr em prática os conhecimentos adquiridos na universidade, o curso preparatório ajudou a pagar as despesas de Fábio. Filho de um lanterneiro com uma cozinheira, ele foi o primeiro membro da família a concluir o ensino superior: Da sala de aula para o calçadão A falta de professores de física e química no ensino médio determinou a escolha do curso universitário quando Robertson Giovani de Melo, de 29 anos, decidiu prestar o vestibular para a Uerj, em 2003. Contagiado pela empolgação de uma namorada com a vida acadêmica, ele se inscreveu no curso de pedagogia da FEBF. Nem o entusiasmo nem o namoro duraram até a formatura.
Morador do Gogó da Ema, em Belford Roxo, ele encontrou dificuldades logo no segundo ano de faculdade. Único dos 17 cotistas da turma a desistir da faculdade, ele agora faz bicos como locutor em diferentes lojas: Chance vem em forma de bolsa de pesquisa O curso de pedagogia da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF), ligada à Uerj, que recebeu a maior nota do estado no último Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), fica a 40 minutos da casa de Érica Duarte dos Santos. Mas só cruzou o seu caminho em 2003, quando esta ex-aluna da rede pública de Duque de Caxias tinha 25 anos. A estratégia era simples: por sugestão de uma prima, ela optou pela área na qual teoricamente conseguiria arrumar um emprego mais facilmente. Depois, realizaria o sonho de fazer relações públicas, para se tornar diplomata. O emprego ainda não veio, mas a recém-formada pedagoga comemora a conquista de uma bolsa de pesquisa na área de educação, na FEBF. Ela também revela que virou cotista no susto: Se depender da avó Diva Batista Duarte, de 88 anos, que segurou as contas da casa para manter a neta na faculdade, a formatura terá sido só o começo: |
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