O Globo  -  Megazine  -  pg. 16  -   22/5
Uma aula de inclusão

Unipalmares, faculdade particular de São Paulo, reserva pelo menos metade de suas vagas para negros

A Unipalmares é uma instituição de ensino superior privada, de São Paulo, que oferece cursos de administração. Mas não é só. Criada em 2003, é a primeira faculdade voltada para afrodescendentes: faz reserva de pelo menos 50% de suas vagas para negros e cobra R$ 260 por mês de todos os alunos (metade do que seria o valor da sua mensalidade). No fim deste ano, a Unipalmares formará sua primeira turma de 160 alunos (147 são afrodescendentes) e lançará dois novos cursos: direito e comunicação. Para fazer tudo isso, a instituição, que defende a inclusão de negros no ensino superior, mantém parcerias com 20 grandes empresas, que ajudam a patrocinar cursos e a inserir alunos no mercado de trabalho.

Instituto Afro-Brasileiro de Ensino Superior é o nome oficial da Unipalmares, que um dia quer ser a Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares.

Comandada pelo reitor José Vicente, a instituição oferece atualmente 400 vagas para o curso de administração, com habilitação em administração geral, financeira, comércio eletrônico e comércio exterior. Os dois novos cursos entrarão no primeiro vestibular de inverno, que será realizado ainda este ano. Serão 300 vagas para cada carreira.

— O jovem negro, de classe menos favorecida, só consegue ascender socialmente se aprende a gerir seus negócios. Por isso, optamos por administração como primeiro curso.

No caso do direito, o curso vale para vários concursos, inclusive de nível médio, mas que oferecem bons salários. E, nos meios de comunicação, falam que não há negros formados para contratar. Vamos levar diversidade para as redações — diz o reitor.

Diversidade é palavra-chave no discurso de José Vicente, que descarta qualquer possibilidade de discriminação: — Nosso desejo é promover a integração. No primeiro vestibular, 87% dos alunos se declararam negros. Houve medo de que somente afrodescendentes procurassem a Unipalmares, pois nosso objetivo é incluir, mas defendemos a diversidade.

Era uma proposta inusitada, que foi aceita. Hoje, muitos jovens brancos estudam na instituição e participam do debate.

Amanda Januário, de 25 anos, é aluna da primeira turma da Unipalmares e será um dos 13 formandos brancos de 2007. Ela conta que a instituição é importante não só para negros, mas para quem não pode pagar uma faculdade pr ivada: — É uma faculdade para excluídos.

Ela dá oportunidade para que o negro e o pobre mostrem que são capazes — diz Amanda, que não teme ser discriminada no mercado de trabalho. — Estou no meu terceiro estágio. Já quebramos esta barreira.

Segundo o reitor, a Unipalmares precisa de R$ 4 milhões por ano para se manter. As empresasparceiras ajudam a instituição, que inaugurou seu novo campus este ano. Em troca, podem exibir publicidade e fazer divulgação de produtos.

Haroldo Nascimento, de 23 anos, aluno do 5operíodo de comércio exterior, acha a iniciativa inovadora: — Ter acesso à educação é fundamental para que nós, negros, possamos entrar no mercado como um gestor, não como mão-de-obra barata. Moro no Capão Redondo, bairro considerado perigoso. Poderia me sentir inferiorizado, mas na faculdade aprendo a me valorizar como cidadão, a ter auto-estima.

Cidadania e trajetória do negro no Brasil são assuntos que os estudantes trabalham desde o vestibular, que já teve redação com o tema “Discriminação racial e o impacto na globalização”. Elias de Souza Júnior, professor de história econômica do negro no Brasil, diz que é importante abordar esses temas em sala de aula. Elias é branco, mas, na Unipalmares, 46% dos professores são negros: — Temos que trocar experiências.

A convivência é importante.

Sinto que há uma certa tensão no ar, mas para fortalecer lideranças negras.

No contato pessoal, a relação entre alunos e professores é a melhor possível.


'A idéia é privilegiar quem está fora'

"O Brasil deveria se debruçar sobre esse tema (reserva de vagas). Mas isso não ocorre e, por isso, está fazendo água"

O GLOBO: Por que criar uma universidade para negros?

JOSÉ VICENTE: Queríamos abrir um novo caminho para que este jovem fosse protagonista.

Para ele se sentir à vontade, e não num espaço hostil.

Ele não está lá para se sentir como se tivesse entrado pela porta dos fundos.

Nas universidades públicas que reservam vagas, muitos cotistas optam por cursos menos procurados. Mas a Unipalmares optou por cursos de grande procura nos vestibulares.

JOSÉ VICENTE: Tivemos esta dúvida, se devíamos oferecer cursos julgados como de segunda linha. Podíamos ser uma faculdade de terceira que atende a negros ou uma instituição de qualidade, com missão e valores. Optamos pela segunda hipótese.

O que o senhor acha do projeto que prevê cotas nas universidades federais?

JOSÉ VICENTE: O Brasil inteiro deveria se debruçar sobre este tema. Mas isso não ocorre e, por isso, está fazendo água. O projeto foi jogado nas universidades, não foi absorvido pela sociedade e não foi abraçado por muitas instituições.

A Unipalmares tem cota para alunos de baixa renda?

JOSÉ VICENTE: O objetivo é trabalhar com o jovem negro, de natureza pobre. Em geral, eles são de famílias de poucas posses. Mas como o desejo era promover a integração, achamos melhor não incluir recorte social.

A faculdade já teve algum caso de racismo de negro contra branco no campus?

JOSÉ VICENTE: Nunca houve manifestação neste sentido.

Trabalhar a exclusão é uma proposta inovadora. A idéia é privilegiar quem está fora. Nunca tinha visto uma sala de aula com 50% de negros. Houve uma compreensão nesse sentido e perceberam que as duas partes podem interagir.


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