O Globo  -  Opinião  -  pg. 07  -   26/2
O apartheid das cotas
JÚLIO JOSÉ DE PIRES LOPES

O que ocorre nos últimos 50 anos em termos de opressão social no Brasil mostra a continuação do Brasil Colônia. A escravatura acabou oficialmente, mas hábitos e métodos visivelmente perduram. Só que os marginalizados não são apenas negros ou índios.

Hoje, pelos erros evidenciados por políticas e reivindicações equivocadas, a sociedade dirigente branca sente na carne a incúria e a irresponsabilidade de uns poucos elementos desta sociedade, pois não consegue andar segura na rua.

A batalha contra a desigualdade precisa ser vencida de maneira mais esperta. Deve e tem que começar pela instrução básica. Os que clamam por cotas raciais na universidade se apresentam como vítimas, quando deveriam ser audazes e determinados.

Só o aprendizado melhora a auto-estima, a condição social e a independência pessoal.

A formação universitária sob o regime de cotas trará, no mínimo, a frustração com ares de segregação quando os diplomados cotistas verificarem que perderão espaço no mercado de trabalho.

Os países africanos recém-independentes (a meio do século passado) mostram tal cenário com nitidez. O apartheid surgiu oficialmente na África do Sul e na antiga Rodésia (Zimbábue) — este, exemplo típico. País que adotava o apartheid antes da independência, tem ainda considerável sociedade branca ali vivendo. Com a independência, o presidente Robert Mugabe instituiu a política de cotas, obrigando as faculdades a disponibilizar vagas para 80% da população não-branca.

Desse tempo para cá, apenas 1,8% dos formados dentro das cotas são considerados bons profissionais e aceitos pelos mercados. A maioria da população, quando não pode ir para países como a Inglaterra (ex-metrópole), procura atendimento médico junto a profissionais que não optaram pela cota — opção que consta no diploma.

Vemos com freqüência fraudes na tentativa do ingresso à universidade. Aquele que nunca se declarou negro passa a declarar-se como tal para ser beneficiado. Se a pele ou a fisionomia não demonstram, para conter essas fraudes quando será que os donos do movimento das cotas raciais começarão a exigir que os que se declaram negros ou índios comprovem a etnia pelas linhas ascendentes até a quarta geração? Na África do Sul e na antiga Rodésia era assim que o sistema de cotas tentava controlar o seu crescimento em separado.

Os brancos só eram considerados brancos se sua pureza de raça pudesse ser comprovada até quatro gerações anteriores. Tal sistema deixou muitas mazelas para todos os lados. Filhos brancos de mães brancas solteiras ficaram com sua documentação carimbada como coloridos porque, sem a identificação da linhagem paterna, a lei não permitia que fossem considerados brancos.

As fraudes levarão os movimentos pelas cotas a exigir prova de linhagem? Tal situação poderá provocar o renascimento do crescimento e desenvolvimento racial em separado? Num país considerado o maior exemplo de integração racial do mundo, tal desvio de luta para interesse menor do que o resgate de cidadania é preocupante.

JÚLIO JOSÉ DE PIRES LOPES é advogado


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